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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Nuvem de Cinzas Expelidas pelo Vulcão da Geleira de Eyjafjallajoekull, na Islândia Cancela 17 Mil Voos.


nuvem de cinzas expelidas
pelo vulcão da geleira de
eyjafjallajoekull, na islândia
cancela milhões de voos
de aviões, pássaros, pipas,
cancela miríades de voos
de insetos e dos sonhos
de um planeta a salvo
da natureza objetiva
frente a ação humana
- projetiva e consciente -
na babel de palavras
da ilusão antropocêntrica.
jc.pompeu, abr 2010

terça-feira, 13 de abril de 2010

TRANSE/UNTE 07

transe/unte 07

chovia naquele inicio de noite fria que caia na megacidade ansiosa
– de gente indo e vindo – naquela terça-feira do trabalho para a casa
e da casa para o trabalho na incessante rotina da vida moderna
de estar em movimento acelerado por demais da conta.
entrei com fome, curioso e para me proteger da chuva,
naquela yakissobateria no bairro oriental da Liberdade.
na entrada do restaurante ou da lanchonete, não sabia como definir,
um segurança moreno forte; uma luminosidade clara e convidativa;
uma cozinha-aquário meio encardida com dois funcionários apertados;
as fotos ilustrativas das comidas com nomes e combinados e preços.
aos poucos, de ar deslocado, fui decifrando o oriente das coisas...
e, achei o meu norte de marco polo, e fui fazer o pedido e o pagamento no caixa, a qual raspava com os dentes o esmalte laranja das unhas:
- boa noite, quero este combinado de yakissoba, yakimeshi e 3 gyoza. os sucos são de frutas naturais?
- de fruta só suco de amora e laranja. respondeu a morena maníaca que retirara a mão da boca de raspar o esmalte laranja das unhas...
- e o de abacaxi não é de fruta natural? insisti afável.
- só esses dois que eu já falei. retrucou a morena maníaca das unhas com o esmalte laranja puídas do fim de semana passada...
- bem, vou experimentar o de amora. ao que ela aconselhou distraída:
- melhor não, está aguado. toma o chá gelado que está bom.
- então tá! de que sabor tem o chá?
- é sabor de benkey. e eu fiquei na mesma.
(mas tudo bem: ela tinha os seios firmes e pontudos, no decote generoso, apontados para mim).
- por favor, esta sobremesa de banana caramelada:
vêm quantas bananas?
- nenhuma...
- como assim!?!
- está em falta já faz um bom tempo. e emendou:
- olha, quando eu estou com vontade de comer banana caramelada eu subo ali no Banjo... é nesta mesma calçada ali na praça... e finalizou com o corpo levemente jogado para trás.
- mais alguma coisa? deu doze e setenta. quer hashi ou talher?
- os dois. e paguei com dinheiro e insinuei de sorriso afável:
- a propósito, hoje você está a fim de comer banana caramelada ali no Banjo? xavequei afável.
- não, hoje não vejo a hora de me mandar pra casa. quero dormir muito
e de manhã eu quero fazer as unhas lá no meu bairro. e continuou a prosa:
- aqui é caro demais fazer as unhas; custa o dobro do meu bairro... (pausa)
- eu gosto de ir lá no Banjo nas sextas-feiras. e sorriu e perguntou:
- seu nome?
- Pompeu, e o seu? nada disse e anotou meu nome na comanda e, então, disse:
- a garçonete irá levar seu pedido e chamar pelo seu nome...
lavei as mãos no banheiro ao lado e subi a escada para o recinto superior meio vazio.
procurei uma mesa de canto de grande angular à espera de ser anunciado pela garçonete.
uma tevê ligada na Globo noticiava as enchentes, os deslizamentos das encostas, o caos e as mortes das águas de abril do Rio de descaso e do mar de lama.
num outro canto, três velhos japoneses sorvendo ruidosa sopa de conversa zen. olhares dissimulados da fala baixa em japonês de risos contidos. suave.
no centro, uma senhora elegante japonesa cabisbaixa comendo hábil,
arroz branco, brócolis, legumes, peixe grelhado e chá.
no meio do recinto, de frente para a tevê, lado a lado no banco,
um jovem casal negro terminando de comer e começando a namorar...
a criança chinesinha, acompanhada dos pais e um irmão mais velho,
iniciou um berreiro na partilha da sua comida, que logo foi cessado
pela fala persuasiva da mãe chinesa. criança é tudo igual...
o pai chinês sorvia sua sopa fumegante com pedaços de tofu.
lá na mesa dos fundos, ainda monitorei três jovens, uma nissei, agitadas de barriguinhas de fora, no banco dependuradas comendo ao celular vibrante.
- Pompeu! a garçonete com a bandeja anunciou no topo da escada.
levantei a mão, ela me viu e repetiu:
- Sr. Pompeu! e dirigiu-se para a mesa a servir a minha comida
que depois saudou com um insosso: bom apetite.
levei uns três dias para comer com o hashi vacilante e falho em pegar
o yakissoba com sobra de molho gorduroso. outrora, na juventude cinemaníaca, que era comer com os pauzinhos dos filmes japoneses.
no entanto, tiveram seis vezes que fui muito hábil de pegar bons nacos de comida com o hashi malabarista e, foram então, os momentos de quando levantei a cabeça para os lados e mastiguei exultante e feliz da proeza.
eu só precisava de mais pegada, mais treino e mais paciência (oriental).
refleti otimista de que na vida nunca é tarde pra começar...
saciado ao mesmo tempo em que tenso da peleja com as boas maneiras à moda oriental, finalizei a batalha gastro-cultural: realizado da perseverança ou da minha teimosia ou, quiçá, de uma elevada provação do olhar estrangeiro cordial na São Paulo cosmopolita.
já na porta da rua, levantei a gola alta do casaco, mas, sem o démodé cigarro na boca e chapéu.
e saí na garoa soturna das ruas estreitas de sombras, luminosos, ideogramas, a fantasiar, a mistificar, a aventurar o outro lado do mundo da seda.
e lembrei do cronista João do Rio: “tudo na vida é ilusão e só a ilusão é verdadeira".
passadas aguadas e devagar, porém, firmes e fortes do ardil instintivo ancestral da postura animal de intimidar o inimigo na brutal selva urbana da sobrevivência.
caminhava molhado e teso, do perigo e do desejo, das luzes ofuscantes a piscar e atentar e, na ideia fixa: a enevoada dos seios firmes e pontudos da morena maníaca do caixa apontados para mim como que a intuir atração e sexo temperado pela culinária japonesa.
imaginava, ao andar na cidade suja, malcheirosa, abandonada pela civilidade, a sua boca nervosa raspando o esmalte laranja das mãos;
a sua boca gostosa de lábios carnudos torneados de tons de chocolate comendo as bananas carameladas do tal Banjo
ali na praça da Liberdade.
pensava que eu poderia ser a próxima vítima ou a próxima presa dessa fêmea: felina noturna atraente de dotes e fricotes, confinada fora ali no bairro oriental da cidade de onde se queixa ser caro pintar as unhas de beleza, de sedução, de sexo e procriação.
pass(e)ava pelas calçadas de antigas marquises decaídas da cidade sem memória, por entre papelões, carroças, restos de comida, agasalhos e trapos, restos de vida...
de mendigos e cães vadios ou de cães e mendigos vadios.
tanto faz na indigência atroz a viver e a respirar
– na passagem ali da megacidade que agoniza –
a mais verdadeira simbiose de amizade, de fidelidade, de amor
de uma vida de ralé: o mendigo e seu cão; o cão e seu mendigo.

jc.pompeu, abr 2010