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terça-feira, 1 de setembro de 2009

PROSA POÉTICA: NÃO É SOPA NÃO!

PROSA POÉTICA: NÃO É SOPA NÃO!

Noite fria de chuva fina perto de fechar
a padaria chic dos Jardins.

Lá dentro uns gatos pingados outros pardos,
duas gatinhas,
um gatão - todos -
agasalhados à frente da tendência fashion

que entram, compram e saem –
a vida em movimento sus/penso.

Alguns outros, sentados à mesa, a comer,
a tomar café gourmet
e mais delicatéssen
e gostosuras que aquecem a alma... e,

não o.b.stante,
costumam destacar o traje gordo
e fomentar mais a indústria da cosmética.

Uma conversa calada ressoa espelhada
de duplos no salão elegante.

O ar deslocado dos empregados dispersivos
entre atender clientes blasés

e a rotina da arrumação e limpeza day after
antes da lotação noturna,

de modo que, na ânsia das horas mortas
do pão que o diabo amassou,

o indefectível volte sempre
o recado volte amanhã...

Janice (está lá no crachá de griffe)
irrompe no salão elegante -

iluminado de vidas espelhadas, de vidas espalhadas,
de vidas pilhadas -

com a bandeja de sopa, torradas, manteiga e sei lá namasque
para servir a madame acompanhada do marido de ar jovial.
E serve, no limite do adiantado da hora fria
e do ofício senac de servir.

E Danuza (o marido assim a chamara) vaticina:
“Meu amor, isso não é sopa...
Olhe essa consistência de creme!”

E continua, agora, para a garçonete:
“Meu anjo, eu pedi sopa!
Isto está cremoso longe de ser uma sopa.”

E pega a colher e testa a aparente cremosidade da não-sopa
na frente da Janice que responde educada:
“Minha senhora, é a sopa do cardápio que você pediu!”
Jane, para os colegas, é séria, profissa, calada.
Desfila uma elegância de altivez nativa.
Linda mulata que mora no Jardim Carumbé
sem calçadas de lama no pé.

Há quatro horas diárias de ônibus lotado
ida-e-volta sem revolta...

No meio desse dissabor,
Demétrio (a madame assim o chamara) de ar jovial

condescende um olhar cúmplice à madame e outro,
contemporizador com pitadas de libido,
a afro-descendente serviçal.

Desconcertante arte do possível na bananosa realidade.
Desde sempre.

Um pé no salão da casa grande outro na cozinha
que se completa depois com um pé na bunda da subclasse...
Desde sempre.

Demétrio de ar jovial sabe como foram ou são as coisas.
Só não sabia como, ou não lhe apetecia,
resolver a demanda gourmet

entre a insossa madame e a garçonete –
refém da sopa com cara de creme.

Janice, ainda pensou que só falta mais essa
pra apavorar seu longo dia.

Danuza insiste na crítica gourmet,
com pitadas de fina ironia

zeitgeist da etiqueta do politicamente correto –
“Chocolate querida, sopa é líquida, é caldo!”
(citando no calor, sem saber, o sociólogo da modernidade Bauman).
“O quê?!? que chocolate?!? tá me tirando?
você pediu sopa de aspargos!”

Danuza, então, olhar petulante para o marido e pede:
“Amor, por favor, chama o gerente que a fulana aqui...”
E foi quando exatamente o caldo entornou de vez,
pois que, a garçonete entendeu muito bem o:
a fulana aqui...

e, fora de si, num átimo, estapeia com gosto
na cara da madame.

E revela-se o clímax-mote desta prosa poética:
“A madame que pedira sopa e tomou sopapo.”
Danuza sentada no chão, nocauteada.
Correria, Deus nos acuda!
Uns se aproximam, outros saem à francesa.

Os colegas rapidamente protegem a Jane
para o interior restrito da padaria.

Desapareceu pela porta de serviço.
A postos, o gerente Nilson e o segurança Delfim
precipitam no casal agredido

nos cuidados, na pronta intervenção-arte
e nos deixa dilsso! Enfim... É Brasil.

Entre choro e dor, Danuza pede seu advogado, seu médico,
sua mãe,
e, creio, sua polícia, sua lei.
Foi assim criada e educada.

Demétrio de ar nem tão jovial pede calma e modos.
É bom nisso.

E intenta na conversa ab aeterno
com a madame nocauteada,

ao mesmo tempo em que assente
as manobras da padaria chic dos Jardins.

Um b.o. pode complicar mais a vida impune,
a cena bananosa,

pois que pode haver testemunhas de que,
antes do desatino,

houvera um crime de racismo.
Aparecerá a gente dos direitos humanos.

E é inafiançável e imprescritível
em tempos de reparação e audiência.

Além do que o assédio e a exibição da imprensa marrom.
Sensacionalismo de caras e bocas afeitos à subclasse.
É... Nada de b.o. se convence o casal injuriado.
Demétrio assente como sempre.

Danuza é choro, dor, vergonha, ódio contido.
Depois de um rápido telefonema,
o gerente mil desculpas e mesuras,

anuncia ao casal uma reparação à altura do grave acidente:
- o atendimento médico no Einstein
- a cortesia de um pacote turístico com spa sete estrelas
- o convite gracioso para se servirem da padaria por um ano
(incluído bebidas, vinhos, finas iguarias, importados)
Tudo às expensas da casa.
É o mínimo por fazer diante do dano lastimável.

Demétrio de ar jovial exulta do acerto de contas
na sua conta e risco

compactuado com os donos da padaria chic e,
de quebra, os sonhos da infância
a poder degustar a vontade,

agora, na faixa à moda da casa chic.
Danuza só queria ir para casa lamber
as feridas daquela noite dos trópicos.

Janice sumira da cena do flagra
pelos fundos protegida pelos colegas.

Já passou da hora adiantada de fechar
a padaria chic dos Jardins.

Uma noite fria de chuva calava
nas ruas de calçadas largas e de árvores.


(Janice, nesse fatídico dia, fora trabalhar
passada por demais
de ser a última a saber
das fofocas e intrigas de que seu marido –
desempregado – estava de asas e papos pra cima
da loira da loja de 1,99 da sua rua).

(Danuza, nesse dia mundo cão, fora cear
passada por demais
por saber em primeira mão
pela amiga-rival desde sempre do Sion
de que a amiga-rival ganhara finalmente da mãe
a bela casa de Nice).

(Sopa, segundo Wikipédia, é uma comida líquida ou pastosa...
considerada, por alguns pesquisadores,
como sendo o prato mais antigo do mundo).

(Aguardo ainda o parecer do Josimar,
o crítico de gastronomia).

(Demétrio de ar jovial, sempre que dá,
escapole pra padaria chic dos Jardins
pra ver Janice, Tereza, Marina... e, comer sonhos –
tudo – na faixa enquanto duro é a vida...).


jc.pompeu, agosto do freguês volte sempre 2009